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Vivenciando crises múltiplas - saúde, natureza, clima e economia - ou simples insustentabilidade sistémica?

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Article Publicado 2021-08-20 Modificado pela última vez 2021-08-23
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Photo: © Nunzio Santisi, Picture2050/EEA
Dos corredores políticos às plataformas académicas, o mundo tem vindo a falar de crises globais: a crise sanitária, a crise económico-financeira, a crise climática e a crise da natureza. Em última análise, são todas elas sintomas do mesmo problema: a insustentabilidade da nossa produção e do nosso consumo. O choque da COVID-19 limitou-se a mostrar a fragilidade sistémica das nossas economias e sociedade mundiais com todas as suas desigualdades.

Alcançar uma sustentabilidade verdadeira e duradoura exigirá também que se resolvam as desigualdades sociais. O que levanta a questão da governação: como podemos assegurar o acesso aos recursos e a um ambiente limpo para todos?

Hans Bruyninckx, Diretor Executivo da AEA

Desde 1950, a população mundial mais do que triplicou para quase 8 mil milhões e a produção económica aumentou 12 vezes. Este crescimento massivo foi facilitado por um aumento colossal na utilização de recursos naturais como a terra, a água e a madeira e de outros materiais como os minerais e os recursos energéticos. Esta Grande Aceleração libertou centenas de milhões da pobreza, mas teve um impacto negativo nos ecossistemas e causou alterações climáticas. Globalmente, 75 % do ambiente terrestre e 40 % do ambiente marinho encontram-se profundamente alterados. A combustão continuada de combustíveis fósseis, as alterações na utilização da terra e a desflorestação libertaram gases de estufa para a atmosfera, causando alterações climáticas.

Hoje em dia, a globalização, sobretudo através da maior digitalização, liga quase todas as partes do planeta através de uma série de rotas comerciais bem estabelecidas que asseguram a entrega de matérias primas, peças ou produtos acabados aos consumidores mundiais do mercado mundial. Espera-se que a procura de recursos materiais duplique até 2060 e já estamos a consumir o que três planetas Terra podem proporcionar. Além disso, atualmente não conseguimos evitar que grandes quantidades de resíduos vão parar ao ambiente e até 2050 espera-se um aumento de 70 % na produção anual de resíduos. Os objetivos de neutralidade das emissões de carbono ou os equipamentos de TIC poderão exercer pressão adicional nas já extenuadas reservas de minerais e terras raras.

COVID-19: uma breve pausa nos mercados mundiais?

A COVID-19 e as medidas de confinamento afetaram em alguma medida os padrões de consumo e de produção. Determinados setores como o turismo e as viagens foram diretamente atingidos, e muitas cadeias de abastecimento foram também afetadas. O encerramento de instalações de produção na China e noutros países exportadores nos meses iniciais de confinamento causaram atrasos nas entregas de alguns produtos, assim como o acidente de navegação que bloqueou o Canal Suez durante dias e causou escassez e atrasos nos mercados europeus. A COVID-19 não só causou uma rutura nas cadeias de abastecimento mundiais, com também reduziu a procura.

A pandemia mostrou quão estreitamente ligadas e interdependentes estão a nossa economia e as nossas sociedades. Seja ela sanitária ou económica, uma crise pode facilmente espalhar-se e o seu impacto sentir-se em todo o mundo, a não ser que sejam tomadas medidas coordenadas e decisivas desde o início.

A COVID também criou um aumento da procura mundial e um mercado em crescimento dos equipamentos de proteção individual, como máscaras e luvas. Como é compreensível, as preocupações sanitárias sobrepuseram-se às preocupações ambientais relativamente aos plásticos de utilização única. Ao mesmo tempo, o abrandamento económico reduziu a produção de embalagens plásticas na UE. Estas alterações podem afetar o progresso da UE na realização dos objetivos fixados antes da pandemia. Uma nota informativa da AEA, que será publicada este mês, debruça-se sobre os impactos da COVID-19 sobre os plásticos de utilização única no ambiente da Europa.

No seu segundo ano, a COVID-19 traduz-se em diferentes crises dependendo do país. Os países com taxas de vacinação elevadas estão a começar a levantar gradualmente as restrições, aproximando-se cada vez mais de um sentido de normalidade. Já com mais de 70 doses por cada 100 pessoas administradas, os Estados-Membros da UE estão a dedicar uma maior atenção à crise económica e aos planos de recuperação. As atividades económicas e o consumo retomam novamente o ritmo. Ao mesmo tempo, a crise sanitária continua a assolar os países com acesso muito limitado às vacinas, sublinhando as desigualdades mundiais num mundo estreitamente conectado.

A pandemia também desencadeou alguma reflexão e ação sobre estas desigualdades, incentivando os países de rendimentos mais elevados ou menos afetados pela pandemia a ajudar os outros com dispositivos médicos, máscaras e, mais recentemente, vacinas. No passado mês, os líderes da UE comprometeram-se a doar 100 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus aos países necessitados. Seguiu-se o compromisso dos líderes do G7 de doação de mil milhões de doses aos países de baixos rendimentos em 2021. Infelizmente, estes números estão muito longe dos 10 mil milhões de doses necessárias segundo a OMS.

Distribuição desigual dos recursos, impactos e benefícios

O relatório Panorama de recursos globais 2019 doInternational Resource Panel confirma que a utilização de recursos naturais e os benefícios e impactos ambientais associados são distribuídos de forma desigual pelos países e pelas regiões. Os países de elevados rendimentos, incluindo os Estados Membros da UE, continuam a consumir quantidades consideravelmente mais elevadas de materiais e a causar danos ambientais consideravelmente mais elevados do que o grupo dos países de baixos rendimentos.

O novo Circular Economy Action Plan [plano de ação para a economia circular] de Março de 2020 constitui a pedra angular dos esforços da União Europeia em matéria de utilização dos recursos. O plano inclui uma vasta gama de ações direcionadas à conceção de produtos, processos de economia circular, consumo mais sustentável e prevenção de resíduos. O plano exige e especifica ações nas cadeias de valor de produtos essenciais, incluindo a eletrónica e as TIC, baterias, embalagens, plásticos, têxteis, edifícios e construção, e alimentos, água e nutrientes. Enquanto tal, constitui uma das principais componentes do Pacto Ecológico Europeu (a resposta global da União Europeia aos desafios ambientais, climáticos e socioeconómicos) e é extremamente importante para orientar os investimentos tanto da recuperação do pós-COVID, como da transição sustentável do nosso modelo económico.

A dimensão social e a questão da governação são essenciais para reconstruir melhor

Na AEA, alinhamos estreitamente o nosso trabalho para monitorizar o ambiente, avançar no sentido da circularidade e identificar opções de políticas e de modelos de negócio circulares em relação a estas cadeias de valor dos produtos essenciais. Vamos continuar a apoiar os responsáveis políticos europeus em relação às cadeias de valor dos produtos essenciais e a contribuir para as avaliações dos recursos mundiais através do Painel Internacional de Recursos. À medida que a economia começa a recuperar, seremos capazes de reconstruir melhor?

Alcançar uma utilização sustentável dos recursos na Europa e a nível mundial exige alterações fundamentais nos nossos sistemas de produção e de consumo. O verdadeiro desafio não é, de forma alguma, o aumento da eficiência dos processos de produção. Alcançar uma sustentabilidade verdadeira e duradoura exige também que se resolvam as desigualdades sociais. O que levanta a questão da governação: como podemos assegurar o acesso a recursos e a um ambiente limpo para todos? A AEA vai continuar a incluir a dimensão social e a questão da governação nas avaliações relevantes e nas discussões políticas.

Hans Bruyninckx

Diretor Executivo da AEA

Editorial publicado no boletim informativo da AEA de junho de 2021

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