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O solo e as alterações climáticas

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Article Publicado 2015-09-24 Modificado pela última vez 2023-03-21
O solo é um elemento importante — e muitas vezes esquecido — do sistema climático. É o segundo maior «armazém», ou «sumidouro», de carbono, a seguir aos oceanos. Consoante as regiões, as alterações climáticas podem levar a um maior armazenamento de carbono nas plantas e no solo devido ao crescimento da vegetação, ou a uma maior libertação de carbono para a atmosfera. A recuperação de ecossistemas terrestres essenciais e o uso sustentável do solo nas zonas urbanas e rurais pode ajudar-nos a atenuar as alterações climáticas e a adaptar-nos a elas.

É frequente encararem-se as alterações climáticas como algo que acontece na atmosfera. Afinal de contas, quando as plantas realizam a sua fotossíntese, absorvem carbono da atmosfera. Porém, o carbono atmosférico também afeta o solo, porque o carbono que as plantas não utilizam para crescer à superfície é distribuído através das suas raízes, que o depositam no solo. Se não for perturbado, este carbono pode estabilizar e ficar armazenado durante milhares de anos e os solos saudáveis podem atenuar, deste modo, as alterações climáticas.

Em matéria de armazenamento de carbono, nem todos os solos são iguais. Os solos mais ricos em carbono são as turfeiras, a maioria das quais se situa no norte da Europa, no Reino Unido e na Irlanda, mas o solo dos prados também armazena grande quantidade de carbono por hectare. Pelo contrário, o solo das zonas quentes e secas do sul da Europa contém menos carbono.

As alterações climáticas sujeitam o solo a pressões

Em algumas regiões da Europa, o aumento da temperatura pode suscitar maior crescimento da vegetação e maior armazenamento de carbono no solo. No entanto, as temperaturas mais elevadas também podem aumentar a decomposição e a mineralização da matéria orgânica do solo, reduzindo o seu teor de carbono orgânico.

Noutras zonas, os baixos níveis de oxigénio existentes na água impedem que a matéria orgânica, rica em carbono, das turfeiras estáveis se decomponha. Se essas zonas secarem, a matéria orgânica decompor-se-á rapidamente, libertando dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera.

Já há indícios de que o teor de humidade do solo está a ser afetado pela subida das temperaturas e pela alteração dos padrões de precipitação. As projeções futuras apontam para uma continuação destas tendências, que alterarão a humidade do solo no verão, na maior parte do continente europeu, no período de 2021 a 2050, com reduções significativas na região mediterrânica e alguns aumentos no nordeste da Europa.

A concentração crescente de dióxido carbono na nossa atmosfera pode fazer com que os microrganismos presentes no solo decomponham mais rapidamente a matéria orgânica, libertando mais dióxido de carbono.

A libertação de gases com efeito de estufa a partir do solo deverá ser particularmente significativa nas regiões mais setentrionais da Europa e da Rússia, onde a fusão do permafrost poderá libertar grandes quantidades de metano, um gás com efeito de estufa muito mais potente do que o dióxido de carbono.

Ainda não se sabe ao certo qual será o efeito global, dado que as diferentes regiões absorvem e emitem diferentes níveis de gases com efeito de estufa, mas há um risco manifesto de que o aquecimento climático provoque maior libertação de gases com efeito de estufa a partir do solo, aquecendo ainda mais o clima, numa espiral autossustentada.

Uma agricultura e uma silvicultura que conservem o carbono no subsolo

As alterações climáticas não são o único fator capaz de transformar o solo, que passa de sumidouro de carbono para uma fonte de emissões: a forma como o utilizamos também influencia a quantidade de carbono que ele consegue reter.

Atualmente, o carbono armazenado nas florestas europeias está a aumentar, graças a mudanças na gestão florestal e às alterações ambientais. Cerca de metade desse carbono está armazenado no solo das florestas. No entanto, quando estas estão degradadas ou são abatidas, o carbono nelas armazenado é de novo libertado para a atmosfera e as florestas tornam-se contribuintes líquidas de carbono para a atmosfera.

Nas terras agrícolas, é sabido que a mobilização do solo acelera a decomposição e a mineralização da matéria orgânica. Assim, para conservar o carbono e os nutrientes no solo, os investigadores sugerem que se reduza a lavoura, que se façam rotações complexas das culturas, que se utilizem «culturas de cobertura» e que se deixem resíduos das culturas à superfície do solo. Os resíduos deixados durante as operações de plantio ajudam a proteger o solo contra o risco de erosão, uma proteção tanto mais essencial quando se sabe que a formação de alguns centímetros de solo pode demorar milhares de anos. A redução da lavra permite fragmentar e revolver menos o solo, mas os métodos utilizados para a reduzir ou eliminar estão frequentemente associados à maior utilização de adubos químicos, que têm outros efeitos ambientais negativos.

Do mesmo modo, a utilização de estrume pela agricultura biológica ajuda a reconstituir o carbono orgânico do solo muito abaixo da sua superfície. A agricultura biológica tem ainda o benefício adicional de diminuir os gases com efeito de estufa por não utilizar adubos químicos. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura calcula que os sistemas de agricultura biológica produzem emissões de CO2 por hectare 48 % a 66 % inferiores às dos sistemas convencionais.

Curiosamente, há formas de produção de biocombustíveis que reduzem o carbono armazenado no solo. Na verdade, um estudo recente concluiu que os biocombustíveis à base de resíduos de milho podem aumentar globalmente as emissões de gases com efeito de estufa porque a matéria orgânica é queimada como combustível em vez de ser devolvida ao solo (28).

Em termos gerais, a adoção de práticas apropriadas de exploração agrícola e florestal tem um grande potencial de recuperação dos solos e de remoção de CO2 da atmosfera.

Proteger as cidades com o solo

Após várias casas da cidade belga de Velm, próximo de Sint-Truiden terem sido cinco vezes inundadas com água lamacenta em 2002, os seus habitantes pressionaram a autarquia local para que esta tomasse medidas. As inundações de água lamacenta tinham-se tornado um problema recorrente na área, uma vez que as águas escorriam dos campos nus arrastando sedimentos. Para resolver o problema, as autoridades procuraram proteger as casas com o próprio solo, adotando várias medidas, como a plantação de culturas de cobertura no inverno, quando o solo estava desprotegido e, logo, em risco de inundação. Além disso, deixaram resíduos das colheitas nos campos para reduzir a erosão. Essas medidas de recuperação dos sistemas naturais impediram a ocorrência de inundações de lamas entre 2002 e a atualidade, apesar das chuvas torrenciais que entretanto caíram por diversas vezes.

A regulação e prevenção das cheias é apenas um dos «serviços» essenciais que um solo saudável nos presta e talvez tenhamos de contar cada vez mais com ele, uma vez que fenómenos meteorológicos extremos como as inundações se estão a tornar mais frequentes e graves.

A qualidade do solo poderá ditar de muitas outras formas de que modo seremos afetados pelas alterações climáticas. Um solo permeável também protege das ondas de calor, armazenando grandes quantidades de água e mantendo as temperaturas baixas, um aspeto particularmente importante nas cidades, onde as superfícies duras (impermeabilização dos solos) criam o denominado «efeito de ilha de calor».

Várias cidades europeias estão a tentar aproveitar estas funções do solo. Por exemplo, o Parque Gomeznarro, em Madrid, foi recuperado de modo a incluir novas superfícies permeáveis, vegetação e armazenamento de água no subsolo. Esta solução tem sido reproduzida noutros locais de Madrid e em toda a Espanha.

Recuperação de ecossistemas

Os dados mais recentes são claros: a recuperação de alguns ecossistemas ajuda a capturar carbono da atmosfera. Por exemplo, os esforços de recuperação de turfeiras têm sido uma boa resposta à perda de carbono orgânico resultante da exploração de turfa para fins energéticos. A maneira mais rápida de aumentar o carbono orgânico no solo cultivado é converter as terras aráveis em prados, segundo conclui um estudo do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia.

Infelizmente, algumas tendências recentes parecem estar a seguir o sentido oposto. Entre 1990 e 2012, a superfície de terras aráveis, culturas permanentes, pastagens e vegetação seminatural diminuiu na Europa. Mais concretamente, a «ocupação de terras» no continente europeu levou à perda de 0,81 % da capacidade produtiva das terras aráveis, devido aos campos que foram convertidos em cidades, estradas e outras infraestruturas entre 1990 e 2006. Esses projetos de desenvolvimento urbano implicam muitas vezes a impermeabilização da superfície do solo, o que, para além das preocupações de segurança alimentar, também faz com que a Europa tenha menor capacidade para armazenar carbono orgânico, prevenir inundações e manter as temperaturas baixas.

Se for corretamente gerido, o solo ajuda-nos a reduzir os gases com efeito de estufa e a adaptar-nos aos efeitos mais gravosos das alterações climáticas, mas se não cuidarmos dele, podemos piorar muito os problemas por estas causados.

O solo é um elemento importante — e muitas vezes esquecido — do sistema climático. É o segundo maior «armazém», ou «sumidouro», de carbono, a seguir aos oceanos. A recuperação de ecossistemas terrestres essenciais e o uso sustentável do solo nas zonas urbanas e rurais pode ajudar-nos a atenuar as alterações climáticas e a adaptar-nos a elas.

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